Por dentro das iniciativas inclusivas da Tribal Worldwide

Agência quer mais mulheres, negros, LGBTs e jovens de diferentes cantos do país na equipe

Débora Yuri
São Paulo

"Tem uma coisa que eu queria te falar… Não me sinto confortável usando os banheiros daqui."

O papo começou assim. Hoje, quem entra na paulistana Tribal Worldwide encontra toaletes sem a divisão feminino/masculino. “No ano passado, uma pessoa do nosso time fez a transição [de gênero] com a gente. Quando me contou que se sentia incomodada no trabalho, um monte de questões me vieram à cabeça”, lembra Carlos Pitchu, 45, copresidente da agência do Grupo ABC.

Questões de representatividade, sobretudo. Profissionais do sexo feminino já respondem por 55% da equipe, e elas prevalecem entre as lideranças. No board, são cinco mulheres e quatro homens; na diretoria, sete e seis, respectivamente.

Fernanda Garcia, 46, líder da área de cultura e pessoas da Tribal Worldwide de São Paulo
Fernanda Garcia, 46, líder da área de cultura e pessoas da Tribal Worldwide de São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

Uma das diretoras é Fernanda Garcia, 46, líder da área de cultura e pessoas (conhecida como “recursos humanos” em outras organizações), que implantou a política de contratar estagiários de universidade e faculdades acessíveis.

“Existem cinco instituições que abastecem o mercado publicitário brasileiro: ESPM, Mackenzie, Cásper Líbero, Faap e ECA/USP. Queremos dar chance para quem não teve a oportunidade de estudar nessas escolas”, explica.

Isabela da Silva Eusébio, 20, mora nos arredores de Interlagos, zona sul, e demora quase duas horas para chegar à Tribal, na rua Girassol, Vila Madalena, zona oeste. Aprendiz da área de planejamento
estratégico, ela valoriza a pluralidade do time do atual estágio. “Trabalhei em dois lugares antes daqui, mas não havia negros nem gays assumidos naquelas empresas.”

Levantamento realizado pela ONG GP (Grupo de Planejamento) com 78 agências de publicidade do país apontou que mais da metade (53%) não tem qualquer iniciativa ligada a diversidade e inclusão e que apenas 13% contam com um programa relacionado estruturado.

A estagiária Isabela da Silva Eusébio, 20
A estagiária Isabela da Silva Eusébio, 20 - Adriano Vizoni/Folhapress
Na área de planejamento, não existem pessoas com deficiência em 94% das organizações pesquisadas; profissionais com mais de 50 anos, em 85%; negros, em 64%; nascidos fora do eixo Rio-São Paulo, em 40%; moradores de periferia, em 26%; e 17% delas não têm LGBTs em seus quadros.

Em setembro, a Tribal foi uma das 15 agências que assinaram, junto ao Ministério Público do Trabalho, o pacto por maior inclusão de negros no mercado brasileiro da propaganda. Ter 30% de jovens e 20% de profissionais de média e alta gerência negras e negros são algumas das metas.

Outra é capacitar a juventude para diferentes cargos dentro de uma agência. Criado para estimular esse compromisso, o programa Conexão Negra teve seu piloto em Salvador (BA), na sede do Ilê Aiyê —primeiro bloco de Carnaval afro do país, hoje uma instituição cultural.

Foram qualificados 82 novos profissionais da capital da Bahia. De lá vem o líder de marketing science, área da Tribal baseada na “business intelligence”, que fornece dados para otimizar a performance de campanhas. Nascido no Rio, com mãe baiana branca e pai fluminense pardo, Raphael Medeiros, 27, mudou para Salvador aos dez anos.

Em 2018, a convite da agência, aportou em São Paulo. Sua equipe, de 12 pessoas, já foi composta por apenas dois paulistas. “Tenho gente do Recife, de Salvador, de Brasília, do Espírito Santo. O resultado é melhor quando você reúne visões de mundo diferentes”, afirma.

Raphael Medeiros, 27, recrutado em Salvador (BA)
Raphael Medeiros, 27, recrutado em Salvador (BA) - Adriano Vizoni/Folhapress

A integrante do Distrito Federal, Natália Ramiro Oliveira, 25, que coordena a divisão de marketing science, deixou para trás episódios como o vivido numa agência da capital do país.

“Na frente de todo mundo, a diretora-geral me disse: ‘Se você não vier amanhã de vestido, salto alto, maquiagem e unhas feitas, não vai mais trabalhar aqui’”, conta. “Ela queria me obrigar a seguir um determinado padrão feminino. Agora, posso ser eu mesma. Os clientes também me recebem assim e não me pré-julgam”, acrescenta, mostrando seu visual do dia: jeans, tênis e moletom.

Falando em clientes, PepsiCo, Huawei, Nextel, Unidas, Caloi e Natura são os principais. A última responde pela maior conta da Tribal, que nasceu de uma fusão tripla implementada pelo Grupo ABC entre a LDC (antiga Loducca), a Salve —sua operação nativa digital— e a Tribal Worldwide, agência global focada no digital, presente em 40 países.

A empresa de cosméticos lançou em maio a Coleção do Amor, da linha de maquiagem Faces, direcionada ao público jovem. Assinada pela Tribal, a campanha de divulgação era protagonizada por casais de lésbicas e incluía (muitos) beijos gay. Imediatamente, bolsonaristas invadiram as redes, pregando boicote à marca.

Até a Natura tomar uma decisão, a agência parou”, recorda o copresidente Carlos Pitchu. Quando a companhia emitiu nota reforçando seu apoio à causa LGBT, a comemoração no prédio da rua Girassol foi “digna do tetra”.

“As pessoas que trabalham aqui realmente abraçam as causas. E quanto mais verdadeiro é, melhor funciona”, observa Pitchu, neto de escravos. “Com a Natura, por exemplo… Se nossa equipe fosse menos feminina e menos diversa, teríamos problemas com esse cliente.”

Diversidade faz sentido para o negócio, faz bem para o negócio e, com o criativo diverso, ela aparece na propaganda, avalia o executivo —sem aquele perceptível e desagradável gosto artificial.

“Nosso trabalho é se comunicar com gente. Por que muita agência publicitária não consegue fazer campanha que funcione no Nordeste?”, questiona ele. “Se você tem a bolha do shopping Iguatemi criando para o Brasil inteiro, é óbvio que sua comunicação não vai funcionar."

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