Descrição de chapéu Análise

Controle da economia e inclusão social mudaram cenários da Folha Top of Mind em seus 30 anos

Fatores como inflação e desvalorização da moeda têm impacto direto sobre hábitos de consumo e na lembrança de marcas

São Paulo

Na edição da Folha que trouxe a primeira pesquisa do Top Of Mind do Datafolha, em 12 de novembro de 1991, uma tabela na página 2 do caderno Cotidiano mostrava os preços do exemplar do jornal nas bancas —de Cr$ 400 a Cr$ 1.100, dependendo do estado onde o leitor morava. No primeiro dia daquele mesmo ano, esses valores correspondiam a Cr$ 80 e Cr$ 200, respectivamente.

No topo da capa, a chamada “Custo de vida tem alta de 20,76% em outubro” resumia o cenário. A Taxa Referencial (TR) de juros, vigente a partir do Plano Collor II em janeiro daquele ano, batia 19,77% no mês e o salário mínimo era reajustado de Cr$ 17.000 em agosto para Cr$ 42.000 em setembro. A poupança, que apresentava rendimentos de 9,47% em abril, chegava a 20,36% em outubro, 18 meses depois do “confisco” promovido pela equipe capitaneada por Zélia Cardoso de Mello no Plano Collor I.

Com a queda do PIB per capita, o empobrecimento da população tornava o terreno fértil para o impeachment de Fernando Collor de Mello (PRN), que aconteceria um ano depois, em 1992, quando a inflação passou de 700% ao ano, segundo o IBGE.

Nesse contexto, uma pesquisa sobre marcas com a população em geral, pioneira por sua abrangência geográfica (todo o território nacional) e pela cobertura socioeconômica (todas as classes representadas) limitou-se ao essencial —quase todas as categorias referiam-se a alimentos ou produtos de higiene— dos 12 itens contemplados no levantamento, as exceções foram aparelho de TV, carro e companhia aérea.

Molhos de tomate Elefante e Cica, margarina Doriana, sorvetes Kibon, cerveja Antarctica, refrigerante Coca-Cola, pasta de dente Kolynos, detergente Limpol e as longevas maioneses Hellmann's e sabão em pó Omo eram os destaques da primeira pesquisa. A TV era Philips, a companhia aérea Varig, a marca de automóvel Volkswagen, e o modelo mais citado era o Monza, da Chevrolet.

O fim da hiperinflação cerca de três anos depois com a implantação do Plano Real, idealizado sob a gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no Ministério da Fazenda do governo Itamar Franco (PMDB), em 1994, teve impacto direto sobre hábitos de consumo da população e, em consequência, na lembrança de marcas.

No Top of Mind daquele ano, pela primeira vez foram feitos dois módulos de amostras independentes que totalizaram mais de 8.000 entrevistas e 22 categorias de produtos ou serviços. Banco do Brasil, Credicard, plano de saúde Unimed, geladeira Consul e iogurte Danone figuravam ao lado de camisinha Jontex, tênis Rainha, uísque Natu Nobilis e jeans US Top, que só perdia de lavada para Levi's e Lee entre os mais escolarizados.

Mas a maioria da população brasileira ainda não tinha acesso a itens de conforto —61% pertenciam às classes D ou E. Integravam as classes A e B 12% da população. Na escolaridade, a tendência era correlata —mais de 60% tinham o nível fundamental (1º grau) contra apenas 10% de superior.

Para se ter uma ideia da desigualdade, em 1995, 42% dos brasileiros tinham máquina de lavar roupas, taxa que alcançava 57% no Sudeste e caía para apenas 9% no Nordeste. Carro era uma realidade para 28% dos entrevistados, 36% no Sul e 20% no Norte e Centro-Oeste.

Em 1996, dois anos após a implantação da nova moeda, a participação das classes D e E na composição da população já tinha caído sete pontos percentuais (54%), a classe C (27%) cresceu quatro e a A/B cinco (17%). No entanto, a escolaridade da população adulta continuava nos patamares anteriores.

Após a desvalorização cambial de 1999, a queda de popularidade de FHC nos anos seguintes era acompanhada por crise energética e pela grande participação de informalidade e desemprego na população economicamente ativa.

O Brasil tinha em 2001 quase metade de sua população ainda nas classes D e E, sendo que dentre esses, 33% formavam um conjunto de baixíssimas escolaridade e renda, grupo que, segundo critérios de classificação do Datafolha foi denominado “excluídos”.

Não à toa, a campanha de Lula (PT) nas eleições de 2002 para a presidência da República prometia inclusão. Após oito anos de governo e políticas públicas como o Bolsa Família, Prouni e ampliação do Fies, o nível fundamental de escolaridade da população caiu cerca de 15 pontos percentuais (44%), as classes D/E para apenas 20% e os excluídos para 28%.

Um grande contingente de brasileiros ascendeu ao mercado consumidor dobrando a participação da classe C, que passou a ser majoritária na composição da população —a então classificada “nova classe média”.

Em 2010, no aniversário de 20 anos do Top of Mind, os reflexos dessas mudanças na lembrança de marcas era notada principalmente pela queda significativa das taxas de desconhecimento em diversas categorias e na variedade de nomes citados. Em 41 categorias destacavam-se os aparelhos de celular Nokia, cartão de crédito Visa, seguros Bradesco, margarina Qualy, material esportivo Adidas, Casas Bahia, supermercados Carrefour e Extra, notebooks LG e Samsung.

Nos mandatos de Dilma Rousseff (PT), essas tendências foram mantidas até sua saída em 2016, no processo de impeachment provocado por crises políticas e econômica. Em abril desse ano, o nível fundamental de escolaridade na população adulta totalizava 34%, o médio 45% e o superior 21%, patamares verificados até hoje.

Os excluídos chegaram a regredir a 22% e a maioria dos brasileiros se divide hoje em diferentes níveis de classe média. Quase a totalidade tem uma geladeira, um aparelho de TV e um telefone celular. A maioria possui máquina de lavar roupas e mais de 40% um automóvel.

Nesses últimos anos, o Top of Mind traz o triunfo digital de Samsung, a ameaça de Fiat à Volkswagen, a liderança de detergentes Ypê, motos Honda, caminhões Mercedes-Benz, a força da poupança da Caixa Econômica Federal, do comércio eletrônico via Mercado Livre, Nike e Nestlé junto a Omo e Coca-Cola como Top do Top e, ironicamente, Petrobras na categoria Marca que Representa o Brasil —a estatal foi o centro das atenções do país em função das investigações de corrupção pela Operação Lava Jato.

Efeitos de políticas liberais do governo Bolsonaro (sem partido) depois de sua posse em 2019 sobre o cenário econômico foram atropelados pela pandemia do novo coronavírus, que obrigou o governo a pagar uma renda emergencial a pelo menos um terço da população brasileira, que revelou ao Datafolha recentemente utilizar o dinheiro principalmente para a compra de produtos essenciais.

Reflexos imediatos dessa realidade sobre o mercado consumidor e sobre a lembrança de marcas devem chegar no próximo outubro com a edição que comemora os 30 anos da pesquisa. Trará 71 categorias e boa parte delas referentes justamente aos setores de alimentos e produtos de higiene.​

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