Economia circular: de bikes a mochilas, conheça oito produtos criados no Brasil

Itens sustentáveis, que reavaliam o conceito de lixo, ganham força no mercado

Peri Pane
Belo Horizonte

Uma embalagem descartável que pode ser plantada, ou até mesmo comida, depois de usada. Jaquetas e bolsas feitas a partir de guarda-chuvas quebrados e câmaras de pneus rejeitadas. Acredite, esses são produtos de empresas brasileiras que praticam a economia circular, cuja lógica é transformar a ideia de resíduos.

Ações nesse sentido vêm chamando a atenção tanto de consumidores quanto de organizações mundo afora —Brasil incluído. "Lixo é um erro de design" é o título do manifesto fundador da Ideia Circular, iniciativa de educação e comunicação criada pela arquiteta e gestora ambiental Léa Gejer e pela designer e artesã Carla Tennenbaum para difundir critérios de economia circular por meio de oficinas e de um blog.

"Mais do que reciclar o lixo, mais do que reduzir o lixo, queremos acabar com o conceito de lixo" são as primeiras linhas do manifesto. Exemplos práticos adotados por empresas foram reunidos pela dupla no livro digital "28 Estudos de Caso - Design e Inovação para a Economia Circular no Brasil e no Mundo", que pode ser baixado gratuitamente em ideiacircular.com.

"Apresentamos casos do mundo todo, mas sempre com uma reflexão de como isso funcionaria no Brasil, para trazer o nosso entendimento do que é economia circular", explica Gejer.

A Ideia Circular tem um papel importante na divulgação do conceito "cradle to cradle" ("do berço ao berço"), desenvolvido pelo arquiteto americano William McDonough e pelo engenheiro químico alemão Michael Braungart, que apresentaram propostas no livro que se tornou um marco para o pensamento ecológico contemporâneo.

No Brasil, a obra foi publicada pela editora Gustavo Gili com o título "Cradle to Cradle - Criar e Reciclar Ilimitadamente". Nela, os cientistas propõem o conceito "do berço ao berço" como alternativa ao sistema linear de produção, "do berço ao túmulo", em que produtos são criados, consumidos e descartados. Defendem que esses produtos sejam desenhados para continuar circulando de forma efetiva.

Nessa lógica, inspirada nos ciclos da natureza —em que as sobras de uma espécie se transformam em alimento para outra—, os resíduos são considerados nutrientes, divididos em dois fluxos: biológico e técnico. Outro ponto importante foi questionar o discurso da "redução de danos", tão adotado nas estratégias de sustentabilidade, e implantar soluções que tenham foco na inovação, na diversidade e no
impacto positivo.

Para avaliar e incentivar propostas de economia circular, o Cradle to Cradle Products Innovation Institute, com sede nos EUA e na Holanda, criou um selo, que hoje certifica milhares de produtos de 500 companhias.

Para a vice-presidente em estratégia e desenvolvimento do instituto, Christina Raab, o Brasil é um país emergente importante para acelerar a transição para a economia circular. "Não apenas possui um imenso potencial para inovações em materiais, produtos e modelos de negócios como também tem a oportunidade de assumir a liderança em práticas de circularidade."

O processo de certificação é guiado por cinco categorias: saúde dos materiais, circularidade dos produtos, energia renovável e clima, gestão de água e justiça social.

Selecionamos oito exemplos de produtos criados no Brasil que, além de integrarem o livro "28 Estudos de Caso", podem inspirar iniciativas de economia circular entre empresas top. O planeta agradece.


Coleção Ciclos - C&A

A coleção de jeans Ciclos, lançada no fim do ano passado, ganhou a certificação Cradle to Cradle, nível "gold", tornando a C&A (cea.com.br) a única empresa brasileira de varejo a receber esse selo, o segundo mais alto da certificação. A linha foi projetada levando em conta todas as etapas de produção, uso, descarte consciente e reutilização.

Com fabricação totalmente nacional, as peças são desenhadas pensando em seus próximos ciclos, sem uso de produtos químicos prejudiciais ao meio ambiente e às pessoas. Todo algodão usado é mais sustentável, cultivado de acordo com os padrões da Better Cotton Initiative (BCI).

A empresa também criou a ação ReCiclo, em que disponibiliza urnas para a arrecadação de roupas de qualquer marca. Desde o lançamento da campanha, já foram angariadas mais de 130 mil peças. Deste total, cerca de 70% foram encaminhados para reutilização e 30% para reciclagem.


Bicicletas Artesanais - Dinâmica Bicicletas

Tendo como base conceitos da economia circular, a empresa de São Paulo desenvolve bicicletas artesanais personalizadas, sem uso de plástico e materiais tóxicos. Elas empregam componentes limpos, projetados para retornar de forma segura ao ambiente ou para a indústria como matéria-prima. A meta da fábrica para 2025 é produzir a energia localmente, com fonte fotovoltaica, e usar água de coleta de chuva. "Parece utopia, mas é perfeitamente viável tecnológica e financeiramente", diz o engenheiro Vinicius Villas Boas, fundador da empresa (dinamicabicicletas.com.br).


Embalagens Biodegradáveis - Oka

Em 1999, a designer Erika Cardoso conheceu o trabalho da pesquisadora Marney Cereda sobre a mandioca e o seu potencial de se tornar embalagem, no Centro de Raízes e Amidos Tropicais da Unesp de Botucatu (SP). Virou parceira no desenvolvimento do projeto e, passados 14 anos de pesquisa, lançou a Oka Bioembalagens (okabioembalagens.com.br). Feitas a partir da mandioca, elas podem ser compostadas, plantadas e até mesmo comidas. Atualmente, são usadas para embalar produtos alimentícios, como cápsulas para controle biológico e reflorestamento e para invólucros de eletrônicos e cosméticos.

A Oka também faz o licenciamento da marca e da tecnologia para produção local industrial e trabalha com produções menores em comunidades, gerando renda e impacto social positivo.


Pisos Elevados - Remaster

Pioneira em criar soluções de pisos elevados para espaços corporativos, a empresa de Bragança Paulista (SP) trabalha com placas feitas de plástico reciclado e 100% recicláveis. Ganhou a certificação Cradle to Cradle em 2019. O processo de fabricação utiliza diariamente cerca de 8 toneladas de material plástico oriundo de cooperativas de catadores, gerando ao menos 240 empregos diretos e indiretos na cadeia da reciclagem. "Usamos 100% de matéria-prima reciclada agregada de cargas minerais, que conferem performance mecânica adequada ao seu uso", explica Paulo Paschoal, diretor da empresa (remaster.com.br).


Potes Retornáveis - Re.pote

A engenheira de produção Julia Berlingeri sempre carregava seus potes para os restaurantes como uma maneira de levar refeições para casa sem gerar tanto lixo. Em 2020, ao lado da publicitária Ana Beatriz Nunes, que tinha o mesmo hábito, criou a empresa, na capital paulista.

Ela oferece a restaurantes um serviço de logística circular por assinatura, e o recipiente está disponível em alguns estabelecimentos de plataformas como o iFood. Assim, o cliente tem a opção de adquirir o re.pote ao invés de uma embalagem descartável. A devolução pode ser agendada pelo site (repote.com.br) ou pelo QR code no pote.

O re.pote é feito de plástico polipropileno. Além de reutilizável, é 100% reciclável. A vida útil média de cada unidade é de 300 usos.


Reciclagem de Eletrônicos - SinCtronics

As práticas de logística reversa e responsabilidade compartilhada inspiraram o trabalho do Sinctronics (sinctronics.com.br), centro de inovação voltado para a indústria eletroeletrônica. Sediado em Sorocaba (SP), desenvolve infraestrutura e tecnologia para coletar eletroeletrônicos descartados e transformá-los em matéria-prima e peças para novos produtos. Atualmente, conta com quatro cooperativas de catadores parceiras.

"Aprendemos que, com a expertise certa, qualquer material de um produto eletrônico pode ser recuperado", diz André Silveira, gerente de operações.


Artigos de Moda - Revoada

Incomodadas com o desperdício na indústria de roupas, a designer Adriana Tubino e a estilista Itiana Pasetti decidiram fazer moda de outra maneira. Com uma câmara de pneu usada e um guarda-chuva quebrado, elas criaram o protótipo de uma bolsa de viagem. Assim surgiu a Revoada (revoada.com.br), em Porto Alegre (RS). Hoje, fabricam bolsas, jaquetas, mochilas e outros artigos a partir de materiais descartados, além de promover consultoria para empresas.

Na cadeia de fornecedores, elas trabalham tanto com cooperativas de costureiras da periferia quanto com cooperativas de catadores. A Revoada também solicita aos clientes a devolução dos produtos usados para reaproveitamento.


Produtos de Limpeza por Assinatura - YVY

Criada pelos empresários Marcelo Ebert e José Luiz Majolo, oferece um sistema de compra de produtos de limpeza doméstica por assinatura (yvybrasil.com).

A ideia de vender os produtos concentrados, envasados em pequenas cápsulas, reduziu em seis vezes o uso dos plásticos nas embalagens. Os componentes usados são 100% naturais. O principal deles é o terpeno, uma substância orgânica presente em vegetais. As cápsulas podem ser devolvidas pelo correio para a empresa de São Paulo, que tem hoje 7.000 assinaturas em todo o país.

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