Nascida e criada na Vila Albertina, em São Paulo, mulher preta e completamente fora dos padrões, dona Iraci, minha mãe, me dizia todos os dias: "Acredite em você, no seu potencial e estude".
Escolhi uma área em que nunca me senti representada: a publicidade. Na época da faculdade, discutimos o fato de, apesar do Brasil ter 56% de pessoas negras, não se ver atores pretos em campanhas publicitárias. Nunca conheci, no início da minha juventude, um publicitário negro. O fato de contestar a falta de representatividade gerou em mim a vontade de ocupar esse espaço e usar a comunicação como ferramenta de mudança.
Minha referência é a minha mãe, mulher forte, que estudou e se realizou profissionalmente na enfermagem, apesar de todas as dificuldades diárias de ser mulher, mãe e preta.
Tê-la como inspiração me fez enxergar o trabalho e a busca por aprendizado como dois dos meus principais valores.
Estudei numa universidade destinada a alunos negros, a Faculdade Zumbi dos Palmares, que me deu base para entender os desafios que profissionais negros enfrentam na comunicação.
Ao iniciar a busca por oportunidades em agências de publicidade, dei de cara com a realidade: perfil branco, trilíngue, faculdades de elite e experiência internacional. Passei por diversas situações de racismo, tendo sido convidada, por exemplo, a alisar meus cabelos (eu não era modelo estético ideal para algumas agências). Aquilo me desmotivou e me fez sentir culpa por não preencher os pré-requisitos. É como diz a filósofa e feminista negra Djamila Ribeiro: o racismo é um crime perfeito.
Fui então trabalhar em outras áreas e isso me ajudou a desenvolver outras "soft" e "hard skills", que me trouxeram autoconfiança para empreender na área da comunicação que, até aquele momento, eu havia abandonado.
Estratégia clara do racismo como crime perfeito: te faz se sentir inapropriado em determinados lugares, de modo que você se sinta obrigado a se retirar.
Quantas mulheres não desistiram de suas carreiras por se sentirem inadequadas?
Segundo o Sebrae, 48% dos MEIs (microempreendedores individuais) são mulheres, 58% delas, negras, que declararam empreender por necessidade. Faço parte da estatística, atualmente estou à frente do Donas do Conteúdo, um coletivo de mulheres voltado à produção de conteúdo humanizado para pequenas e médias empresas. Ter assumido o protagonismo profissional me deu a oportunidade de ser convidada a integrar o time criativo da agência F.biz.
É importante que existam ações afirmativas para que pessoas negras tenham acesso a postos de trabalho, sejam tomadoras de decisão, estejam em posições de liderança. Apenas dessa forma a estrutura muda. O caminho é longo. Afinal, não são as pessoas brancas que ainda decidem quando e quantas pessoas pretas contratar para seus negócios? E até onde a diversidade é de fato inclusão?
Temos um início, mas ainda há muito a fazer.
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