O que fazem os CHO, cargo cada vez mais comum em grandes companhias

Com 'chief happiness officers' à frente, empresas investem para elevar o bem-estar dos colaboradores

São Paulo

Se você precisa de mais inovação em sua empresa, recompense com bônus e celebre os profissionais capazes de inovar. Se deseja que os funcionários façam um esforço adicional, reconheça seu trabalho e agradeça continuamente. Reserve 15 minutos do dia para praticar uma atividade que te dê alegria, escreva um email positivo para um colega de equipe, deseje sucesso, exerça atos de bondade aleatórios e faça de tudo isso hábitos.

Essas são algumas das lições ensinadas em um curso de felicidade corporativa da FDC (Fundação Dom Cabral), que a reportagem acompanhou em setembro.

Para o ouvinte cético, os ensinamentos podem parecer retirados dos manuais de autoajuda ou de conceitos básicos de educação. Mas eles fazem parte de um roteiro de gestão que grandes companhias têm consultado nos últimos anos e que já é tratado como uma tendência com potencial de transformar a cultura empresarial em diferentes setores.

Livia Azevedo, diretora de felicidade do grupo Heineken.
Livia Azevedo, CHO da cervejaria holandesa Heineken no Brasil - Adriano Vizoni/Folhapress

O movimento não é novo. Há cerca de dez anos, já despontavam iniciativas do tipo na Europa e nos Estados Unidos, onde empresas começaram a criar uma área específica para cuidar da felicidade no ambiente de trabalho, com um diretor dedicado exclusivamente ao tema. Esse cargo ganhou o nome de CHO –sigla para chief happiness officer.

No passado, o foco dos debates sobre o assunto ficava mais concentrado na retenção de talentos –o cultivo de uma força de trabalho satisfeita ajudaria a atrair bons profissionais e mantê-los na organização, o que elevaria o desempenho da companhia como um todo. Até que veio a pandemia, reforçando a preocupação com a saúde mental no contexto do bem-estar corporativo.

De acordo com os especialistas no tema, o avanço da felicidade dos funcionários é uma ferramenta eficaz para mitigar e prevenir o burnout, reduzir o absenteísmo e reter talentos.

"As grandes doenças do século 21 são questões de saúde mental, ansiedade, depressão, solidão e déficit de atenção. Algumas delas já se destacam. A gente sente no trabalho, na família e em vários ambientes", diz Vinicius Kitahara, que apresenta o curso da FDC e dirige uma consultoria especializada no tema.

A criação de um ambiente saudável e com segurança psicológica contribui para a sustentabilidade do negócio a longo prazo, segundo o professor. Os relacionamentos de qualidade e confiança seriam, portanto, o fator de maior contribuição para a felicidade prolongada. Porém, esse tipo de relação é escasso no expediente de trabalho, afirma Kitahara.

A gente acredita que a felicidade traz sustentabilidade para o negócio. Fala-se em redução de níveis de burnout, redução de turnover, maior produtividade, acréscimo nas vendas, maior eficiência no trabalho. Todos os estudos mostram isso

Livia Azevedo

CHO (chief happiness officer) da cervejaria Heineken

No Brasil, o debate ganhou tração neste ano, quando algumas empresas locais e filiais de multinacionais anunciaram o lançamento de suas diretorias de felicidade.

Na holandesa Heineken, a operação brasileira foi a primeira a implantar a medida, entre todos os escritórios da cervejaria no mundo.

Segundo Livia Azevedo, que lidera a nova área, são realizadas pesquisas quinzenais sobre o bem-estar dos 14 mil profissionais da empresa, com acompanhamento dos gestores. O objetivo é criar ambientes que estimulem o diálogo e as relações de confiança.

A executiva conta que o CEO da companhia, Mauricio Giamellaro, conheceu em um fórum de 2020 uma empresa que havia aplicado a chamada "ciência da felicidade". "Ele veio até nós e pediu que estudássemos e buscássemos referências", recorda.

De acordo com Azevedo, o trabalho da Heineken hoje se pauta na metodologia Perma, da psicologia positiva, que abrange cinco pilares: emoções positivas, engajamento, relações positivas, propósito e realizações.

"A partir da pesquisa [quinzenal, baseada nos pilares citados], temos um score [pontuação] para cada pilar. É confidencial, e o resultado corresponde ao time de cada gestor, que tem acesso aos dados para avaliar. Se estiver baixo, ele conversa com o time para entender. Quando a gente traz a liderança para olhar o resultado, começa a ser criado um ambiente em que eles falam dos problemas que têm e se sentem seguros para compartilhar", diz Azevedo.

Denize Savi é CHO da Chilli Beans e especialista em ciência da felicidade.
Denize Savi é CHO da Chilli Beans e especialista em ciência da felicidade. - Adriano Vizoni/Folhapress

Na rede brasileira de óculos Chilli Beans, que também criou uma área exclusiva para felicidade em 2023, a estratégia é colocada em prática por meio de reuniões semanais com grupos de 30 pessoas, formados pelos 300 trabalhadores da sede, em Barueri (SP), e os 150 da logística em Extrema (MG). Segundo a CHO da empresa, Denize Savi, a ideia é expandir o projeto para ser replicado pelos franqueados da marca, que reúnem outros 5.000 funcionários pelo país.

"Começou neste ano. Estamos na fase de testes, percebendo como reverbera e vamos rodar uma pesquisa para entender o impacto. Cada turma passa por seis encontros de duas horas, em que nós aplicamos as ferramentas da psicologia positiva", explica Savi.

Um dos temas abordado nas reuniões é o conceito da colaboração, em contraponto à competição. "Nas dinâmicas, trabalhamos a lógica da cooperação, porque nós fomos moldados à lógica da competitividade. São centenas de anos incutindo na nossa cabeça a ideia de competição. Mas precisamos entender que, dentro de uma empresa, está todo mundo jogando no mesmo time. Então, é deixar de lado a competição e trabalhar a cooperação para crescer juntos", diz a CHO.

Tivemos uma redução superior a 30% na taxa de saída voluntária dos nossos talentos. É um fator que credencia o retorno que essa questão do cuidado e da felicidade traz para a organização

Beatriz Olivares

Diretora de gente e gestão da Suzano

Na empresa de celulose Suzano, o assunto foi acelerado em 2020 pelos desafios da pandemia, afirma a diretora da área de gente e gestão, Beatriz Olivares. Entre as iniciativas adotadas pela companhia, ela cita o programa de promoções, que passou a ser feito de forma mais humanizada, com a participação de familiares. "A gente entende que isso gera um senso de pertencimento e uma recordação, que marca a vida das pessoas. Isso gera mais engajamento e, por consequência, melhores resultados."

Olivares ressalta que é difícil mensurar todo o impacto, mas o indicador de rotatividade sinaliza a mudança. "Tivemos uma redução superior a 30% na taxa de saída voluntária dos nossos talentos. É um fator que credencia o retorno que essa questão do cuidado e da felicidade traz para a organização", diz.

Parte dos avanços nas empresas pode ser atribuída à evolução das competências socioemocionais, que ajudam a trabalhar em equipe, liderar pessoas e melhorar a comunicação, explica Flávia Faugeres, especialista no tema e fundadora da consultoria Learn to Fly.

"Nosso cérebro é muito mais produtivo quando está no estado positivo ou neutro. Há ligação entre engajamento, bem-estar e produtividade", acrescenta Cecília Ivanisk Oliveira, também sócia da empresa.

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