Para quem não é heterossexual, falar abertamente sobre sua orientação sexual é um processo complexo. É o que popularmente chamam de "sair do armário". Para mim, esse processo começou na adolescência, na década de 1990, quando referências ao público LGBTQIA+ estavam sempre relacionadas ao deboche ou às consequências da epidemia de HIV.
Foi durante a faculdade, em São Paulo, quando tive contato com o universo LGBTQIA+, que criei coragem para admitir a mim mesmo que era gay, entendendo que também poderia ser uma pessoa plena e feliz.
Decidi contar para os amigos e depois para a família. Tive o privilégio de ter um pai e uma mãe que sempre me amaram e lidaram com naturalidade com a questão. Faltava a porta mais difícil de abrir nesse armário: a do ambiente profissional. Sempre trabalhei no mercado financeiro, historicamente conservador, e piadas homofóbicas eram a regra. Calei-me sobre o tema, com medo de atrapalhar meu crescimento profissional, e isso era tão natural que pensava ser uma escolha minha.
Tudo mudou quando eu já era gerente jurídico e estava fazendo um curso na Universidade da Califórnia, nos EUA. Um colega perguntou como era ser gay no Brasil, sendo advogado em um banco, e respondi que não era "nada demais, escolhi não falar disso porque ninguém fala da vida sexual no ambiente de trabalho", ao que ele prontamente retrucou: "Primeiro que não é falar da sua vida sexual, é da sua vida; segundo, quando alguém mais júnior lhe vê como gerente, sem falar sobre o tema, nunca vai saber se você não fala porque não quer ou porque a empresa não permite. Em um cargo de liderança, ao escolher não falar, você escolhe também por todos que lhe têm como referência".
Foi o empurrão que precisava para começar a estudar formas de mudar essa realidade. Mas, para isso, precisava dar um difícil passo: falar oficialmente, no ambiente corporativo, que eu era gay. Estava ensaiando o melhor momento quando o Itaú Unibanco decidiu avançar na pauta da diversidade LGBTQIA+.
O presidente do banco chamou uma reunião para discutir o tema com os colaboradores, e o destino deu mais um empurrão, pois fui um dos sorteados para participar dessa conversa. E eu, que nunca tinha falado sobre isso no banco, disse logo para o presidente: "Sou gay". A reação foi a mais positiva possível e, a partir daquela conversa, me voluntariei para ajudar na construção dessa iniciativa na organização.
Ainda existe muito trabalho a ser feito para que as empresas evoluam, de fato, e se tornem ambientes em que as pessoas tenham liberdade para ser quem são. É uma jornada de mudança cultural que demandará muita energia.
Se você se identifica como LGBTQIA+ e está em uma posição de liderança, afirmo que "sair do armário" é um processo complexo, desconfortável, mas pode ser o primeiro passo para transformar o seu ambiente. E, para você que não é LGBTQIA+ e quer ajudar nesse processo, reflita se os comentários, as piadas e os comportamentos reproduzidos no seu cotidiano não estão, de alguma forma, deixando alguém desconfortável por ser quem é.
Se cada um fizer a sua parte, vamos conseguir melhorar o ambiente das empresas para todos, inclusive para quem é LGBTQIA+.
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