Marketing de influência com estrelas mais diversas vira aposta das empresas

Na carona de influenciadores distantes do tal 'padrão', marcas querem ampliar seus públicos

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São Paulo

"Quem lacra não lucra." Essa é uma máxima sempre citada pela ala reacionária para boicotar empresas que visam a diversidade e conceitos básicos de cidadania. Mas as críticas desse grupo não têm sido suficientes para frear o movimento importante das corporações brasileiras em seus posicionamentos.​

O reflexo dessa trilha pode ser visto já há alguns anos de forma crescente no Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions, a principal premiação do mercado publicitário.

Na edição que celebrou trabalhos de 2020 e 2021, inúmeras iniciativas que contemplavam diversidade e inclusão foram laureadas.

"Go Equal", capitaneado pela camisa 10 da seleção brasileira de futebol Marta, e "She Can" ("Ela Pode"), do Guaraná Antarctica, que fomentam a equidade de gênero e a valorização do futebol feminino, e ainda "Eu Sou", da rede de cafeterias Starbucks, que ajudou a comunidade trans a alterar documentos de identidade, geraram grande repercussão e ganharam Leões.

"A história da Marta é a verdade das mulheres em todos os esportes. Nada mais legítimo do que tornar sua luta uma luta de todas", diz Aldo Pini, vice-presidente de estratégia da Africa, agência que criou o movimento Go Equal. "Imagine o quão importante é ver uma jogadora seis vezes eleita a melhor do mundo, que usa o momento em que vira a maior artilheira de todas as Copas para pedir igualdade."

Nos últimos anos, muitas marcas têm contratado influenciadores mais diversos, embora o caminho a ser percorrido ainda seja longo. De acordo com o estudo Diversidade e Inclusão, da Qualibest, feito em 2021, apenas 10% dos entrevistados declararam se sentir totalmente ou bastante representados pela propaganda. E para só 24% deles as empresas trabalham o tema de forma adequada.

O relatório "Delivering Through Diversity" ("Entregando por meio da diversidade") mostra que as companhias com maior diversidade de gênero têm 21% mais chances de apresentar resultados acima da média do mercado. Quanto o tema é diversidade cultural e étnica, o índice sobe para 33%.

Mas realizações como essas podem sofrer muitas críticas. A polarização na sociedade, bem evidente na internet, nutre as discussões nas redes sociais, mesclando temas políticos e variadas causas —negra, feminista, LGBTQIA+, de pessoas com deficiência, saúde mental, ambiental, animal, entre tantas outras.

Essa divergência, muitas vezes exacerbada, não é vista como algo ruim ou um retrocesso pelo professor da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) Fábio Mariano Borges. "Eu vejo como um processo pelo qual temos de passar simplesmente porque as pessoas começaram a se posicionar", afirma.

Para o especialista, as redes sociais e as leis colaboraram para minorias, como gays e negros, se manifestarem. "Essa polarização não existia porque essas pessoas não tinham voz. Não havia um espaço midiático para elas, estava fechado ou era muito restrito para elas exporem suas causas."

E a fim de simbolizar momentos e posições importantes muitas marcas têm dado visibilidade a influenciadores mais diversos, embora o caminho a ser trilhado ainda seja longo.

Mesmo não sendo exatamente novo, o marketing de influência tem crescido. Hoje, é uma das estratégias adotadas por grandes companhias para atingir determinado público-alvo. Estimativas da Business Insider indicam que esse mercado deve movimentar US$ 15 bilhões em 2022.

No Brasil, duas das personalidades mais procuradas são as cantoras Anitta e Iza, que ajudam a representar o empoderamento feminino e a valorizar a cultura da periferia.

A dona do hit "Vai, Malandra" recentemente entrou para o conselho do banco Nubank e foi anunciada como head de criatividade da Skol Beats, além de protagonizar campanhas de Claro, Samsung e Cheetos.

Já a responsável por "Pesadão" fechou acordo com a Olympikus para ser diretora criativa, é destaque em anúncios da cerveja Devassa e embaixadora da TIM.

Nascida na periferia do Rio e negra, Iza figura na liderança da pesquisa Most Influential Celebrities, realizada pela Ipsos, como a celebridade mais influente no país. É seguida por Gisele Bündchen, Ivete Sangalo, Juliette e Jéssica Ellen.

"Valorizamos a diversidade e trabalhamos não só para promover uma cultura organizacional sempre mais inclusiva, com equidade de oportunidades a todas as pessoas, mas também para impactar o público externo, levando informação e conscientização para a sociedade", explica Ana Paula Castello Branco, diretora de comunicação e marca da TIM Brasil.

Entre os influenciadores parceiros, 80% fazem parte da comunidade LGBTQIA+, segundo a executiva. "Buscamos também trabalhar a interseccionalidade, com mulheres negras, pessoas com deficiência LGBTQIA+..."

Uma fonte de bons nomes para o mercado de influenciadores são os reality shows, que geram discussões acaloradas. É o caso dos ex-BBBs nordestinos Juliette Freire e Gilberto Nogueira, este mais conhecido como Gil do Vigor, dois personagens que deixaram a atração global e entraram em alta no mundo da propaganda.

A advogada e maquiadora de Campina Grande (PB), vencedora do Big Brother Brasil 21, desde o confinamento já apresentava índices de interação no Instagram impressionantes, superiores aos de celebridades como Neymar.

Com números tão expressivos, ela garantiu muitos contratos —Avon, Americanas, Seara, C&A, Bohemia, Havaianas.

"Juliette é de Campina Grande, na Paraíba, sede da nossa principal fábrica, além de ter uma personalidade que conversa muito com Havaianas", explica Fefa Romano, vice-presidente global de marketing da Alpargatas, empresa que fabrica os produtos da marca.

Por sua vez, Gil, um economista, negro e gay, ficou na quarta colocação no reality e também conquistou status de estrela publicitária.

Como muitos já esperavam, virou o "Gil da Vigor", contratado pela marca de iogurtes. Entre ações de O Boticário, Amstel, Claro e Bis, ele se tornou nome central do Santander.

"Para falar de mudanças no mercado financeiro e produtos para universitários, temos o Gil. Por ser economista e acadêmico, ele transfere credibilidade ao seu discurso", explica Igor Puga, diretor de marketing e marca do banco.

"Tudo aqui é avaliado de forma minuciosa e quantitativa. Nossos dados são sigilosos, mas posso dizer que o Gil foi, de longe, nossa aposta mais rentável em geração de audiência e de negócios para o Santander, entre todos os talentos, nos últimos cinco anos", conta Puga.

Outros brothers e sisters também ocuparam espaço, como Thelma, Babu Santana, da edição 2020, e Lucas Penteado, Camilla de Lucas e Karol Conká, que vem recuperando sua reputação após polêmicas e brigas dentro do reality neste ano.

O vice-presidente de estratégia da Africa, Aldo Pini, credita parte deste sucesso à verdade, empatia e representatividade. "As pessoas não se apegam só à imagem dos BBBs, elas veem suas histórias de vida refletidas na vida delas. É como uma novela só que com fatos reais", afirma. "Cada um ali representa seus valores, suas verdades, suas histórias e vemos que o público tem muito mais facilidade de abraçar quem realmente é mais transparente."

Mesmo com o êxito dessas personalidades, a população negra ainda é sub-representada em peças publicitárias. O levantamento anual Diversidade na Comunicação de Marcas em Redes Sociais mostra que, em 2020, houve um aumento de quatro pontos percentuais na representação da população negra na publicidade —de 34% para 38% no total das 1.902 publicações de 50 marcas analisadas pelo estudo da Elife e com a agência SA365.

Entretanto, essa parcela de negros fica bem abaixo dos cerca de 55% que compõem a população brasileira, de acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio). Já a quantidade de brancos nos posts chegou a 74%, bem acima dos 46,6% de brasileiros desta raça.

A presidente-executiva da agência de influenciadores Mynd, Fátima Pissarra, observa um movimento cada vez maior das marcas de trazerem diversidade para as campanhas, fazendo com que todos os grupos sejam representados. "Quando mais pessoas pretas, gordas, idosas, LGBTQIA+ ou PCDs estiverem presentes na TV e na publicidade, mais comum isso será."

Visando representatividade, Lázaro Ramos se aliou à marca de biscoitos Oreo para criar novas versões de histórias infantis. No projeto Oreo Faz de Contos, de 2020, o ator reescreveu clássicos com uma visão mais inclusiva.

Rapunzel virou uma garota negra que sofre racismo. "João e o Pé de Feijão" trouxe seu protagonista em uma cadeira de rodas. Em "O Patinho Feio", o protagonista é um menino, filho de um casal homoafetivo.

Para trazer verdade ao projeto, a fabricante Mondelez reuniu pessoas que conhecem a realidade retratada nas obras —elas narram os textos para um audiobook.

O próprio Lázaro deu voz ao conto de Rapunzel. O chef Henrique Fogaça, que tem uma filha com deficiência, narrou a história de "João e o Pé de Feijão". Já o estilista Alexandre Herchcovitch cuidou de "O Patinho Feio".

"O impacto foi enorme. As histórias são emocionantes, de alto nível, e conseguiram transmitir a mensagem que a marca desejava", diz Álvaro Garcia, diretor de marketing da Mondelez. "Uma surpresa adicional foi recebermos milhares de pedidos de professores para usarem os livros nas salas de aulas. Nós os imprimimos e doamos para as escolas."

Especialistas de mercado citam o termo "economia de influência", defendendo que o papel de influenciador não se restringe a criadores de conteúdo, artistas e pessoas famosas, e que isso deveria fazer parte do cotidiano das marcas.

"Não é um marketing com influenciadores, são as marcas fazendo parte das conversas que são relevantes hoje, que estão no centro da cultura, que entregam relevância e não só anúncios que ninguém quer ver", afirma Bia Granja, fundadora do YouPix, consultoria de negócios para criadores e marcas.

Para uma parceria dar certo e driblar erros, ela destaca os pontos principais: alinhamento de valores entre a marca e o influenciador; análise das métricas quantitativas da personalidade escolhida, como penetração no público-alvo e no território da campanha, engajamento, alcance, índice em plataformas de influência; e avaliações qualitativas —autoridade e relevância sobre determinado assunto, potencial de entrega de conteúdo, reputação.

Por fim, e não menos importante, está a adequação do perfil do influencer aos objetivos daquela campanha específica.

A diretora de marca e comunicação da Vivo, Marina Daineze, indica que a empresa entende que cada criador tem seu papel dentro da estratégia. "Por isso, nossa análise vai além de números absolutos, baseando-se em um olhar muito mais analítico-qualitativo, dentro de uma metodologia bem estabelecida, construída ao longo dos anos, em que avaliamos diversos fatores, não de forma isolada ou pontual."

"Quando lançamos mão dessas parcerias, fazemos nossas histórias chegarem a lugares e pessoas que possivelmente não alcançaríamos sozinhos. Ainda temos a oportunidade de cocriar conteúdos", afirma Carlos Pitchu, vice-presidente de mídia, conteúdo e comunicação da Natura & Co América Latina, que reúne as marcas Natura, Avon, Body Shop e Aesop, que mantêm presente em suas mensagens valores de diversidade, inclusão e representatividade.

Ao tratar de temas relacionados a grupos minoritários, é preciso entender que o diálogo se dá com indivíduos socialmente vulneráveis, por causa de preconceito e discriminação. Essa é a visão de Ricardo Silvestre, fundador da Black Influence, empresa de publicidade que presta consultoria e conecta influenciadores com foco em diversidade a marcas.

"As empresas devem compreender que a comunicação direcionada a esses grupos tem de ser feita de forma muito cuidadosa e exige uma pesquisa ampla sobre diversidade e como se referir a essas pessoas", ressalta o empresário.

É o caso da Natura & Co, que conta com grupos internos de afinidade. Eles atuam como times de consultores, especializados em diversidade, para validar as iniciativas em curso, evoluir e inovar.

Pitchu cita a criação do movimento #MaisDoQueVocêVê, lançado no Dia Internacional de Luta Contra a LGBTfobia (17 de maio), que se desdobrou em uma série de ações e no patrocínio à Parada do Orgulho LGBT de São Paulo.

"Para dar força a todas essas ações, contamos com a consultoria do Natura & Cores, um grupo de afinidade LGBTQIA+ formado por colaboradores da companhia que ajudam a trazer o debate sobre o assunto para a empresa, prestando uma espécie de consultoria em campanha e ações."

Por dois anos seguidos na pandemia, a campanha do Dia dos Pais da Natura teve grande repercussão. Em 2020, entre os escolhidos para representação da figura paterna estava o homem trans Thammy Miranda. Já em 2021, a data comemorativa teve o médico Thales Bretas, pai de gêmeos e que perdeu o marido, o humorista Paulo Gustavo, morto em decorrência da Covid-19.

Uma onda de críticas conservadoras e boicotes contra a marca tomaram as redes sociais, fazendo com que muita gente defendesse a ação.

"A escolha de Thammy Miranda reforçou a nossa crença sobre a importância da paternidade ativa. Ser pai é estar presente, é amar, cuidar, estar aberto a se envolver e a se emocionar com os filhos, e Thammy, assim como os demais influenciadores que participaram da campanha, mostram diariamente, por meio das redes sociais, a presença e o cuidado no dia a dia com o filho", diz Pitchu.

O professor da ESPM Fábio Borges simplifica o receio das companhias e classifica como equivocado o medo de se posicionar. "A marca não tem de se proteger de nada, basta apoiar a cidadania que ela vai estar sempre do lado certo". Borges defende que a marca que não apoia a cidadania está do lado do crime. "Violência contra a mulher é crime, racismo é crime, homofobia é crime, discriminação das pessoas com deficiência é crime. Então é muito fácil, basta a marca se posicionar do lado da lei."

Para Aldo Pini, da Africa, o principal ponto é começar a tratar a diversidade e a inclusão não só como temas esporádicos, mas pilares centrais dentro da estratégia da marca. "Se existe um discurso legítimo que é realmente transformado em ação, a marca não precisa se preocupar com nada. E quando digo transformar discurso em ação, isso vai desde dar visibilidade até promover inclusão e diversidade dentro de seus quadros."

"Muitas empresas só estão preocupadas com o buzz gerado por essas ações. Mas não adianta falar sobre racismo se na sua empresa as únicas pessoas pretas estão na faxina ou na portaria para te dar bom dia", completa Silvestre, da Black Influence.

O ano foi marcado ainda pelas Olimpíadas de Tóquio, evento que trouxe às empresas oportunidades de ouro com antigas e novas estrelas esportivas.

Levantamento do site OutSports mostrou que ao menos 160 atletas que competiram no Japão se declararam lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer ou não binários assumidos —um grande salto em relação aos 79 esportistas, somados, dos dois Jogos Olímpicos anteriores, Rio-2016 e Londres-2012.

Além da craque Marta, o jogador da seleção masculina de vôlei Douglas Souza foi um dos principais nomes para o marketing.

O atleta de 26 anos é gay e se tornou um fenômeno nas redes sociais, mostrando bastidores da competição com publicações bem-humoradas e defendendo a causa LGBTQIA+. Adidas, XP, Submarino e Liv Up são algumas das empresas que contrataram o influenciador.

Quem também saiu do Japão em alta foi a skatista Rayssa Leal. Patrocinada por Nike e MRV, a medalhista olímpica de 13 anos já fechou parceria até com a H. Stern, que pretende atingir o público jovem com suas joias.

"Os sonhos e a alegria das grandes conquistas unem a trajetória de uma pequena estrela do esporte ao universo encantado das joias", publicou a marca ao anunciar contrato com a adolescente nascida no Nordeste, no Maranhão.

Com muito carisma e duas medalhas olímpicas na bagagem, a ginasta Rebeca Andrade atraiu marcas como Havaianas e Riachuelo.

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