Descrição de chapéu Análise

Cidadão Z entra no radar de marcas tradicionais

Empresas que apostam em marketing com vídeos curtos nas redes sociais e influenciadores têm alta retenção entre os jovens

São Paulo

"O seu jeans está velho e por isso sua mãe enche o saco? Velha é a sua mãe!". Não, o texto não é transcrição de uma trollagem do TikTok. Aos gritos, era a fala de um então jovem da geração X (nascidos entre 1965 e 1980), contra mães boomers (1945-1964) em propaganda de TV no início dos anos 1990.

A marca Lee, que pouco tempo depois se tornaria Top of Mind na pesquisa nacional do Datafolha, tinha outras peças na mesma linha —"Não é a sua Lee que está cara, você é que ganha pouco. Se vira, desencosta rapaz!".

O tom do discurso, atual para meritocratas do pseudo-empreendedorismo, dá cores fofas ao cyberbullying que millennials (1981-1995) sofreram recentemente por parte de integrantes da geração Z, os chamados nativos digitais (nascidos a partir de 1996). O debate sobre calças skinny e histeria com boletos soa infantil perto dos conflitos que marcas já propagaram ao longo da história.

No entanto, nada é mais cringe aos olhos dos profissionais de pesquisa do que as generalizações, sem representatividade, que leituras enviesadas de rede social tentam imprimir em cenário tão desigual e heterogêneo como o brasileiro.

Um exemplo é a ideia de que os "gen-Z" consideram mico os millennials gostarem de café. Pelos resultados da pesquisa Top of Mind do Datafolha do ano passado, se há uma quase unanimidade no país, não só geracional, como socioeconômica e regional, é o consumo de café, mesmo com a inflação proibitiva da cesta básica.

Entre os próprios nativos digitais, a taxa dos que compram pó de café chega a 88%, índice que é de 87% entre os millennials. A marca associada ao produto, no entanto, muda um pouco. Há leve tendência de maior citação a 3 Corações do que à líder Pilão entre os integrantes da geração Z —ações que usam o nome como apelo emocional ("All you need is love"), a presença forte em vídeos curtos de influenciadores em redes sociais e o "embaixador" Alok em promoções (inclusive campanha solidária na live que o DJ fez durante a pandemia) ilustram comunicação dirigida ao target.

Essa tendência se repete ao longo da pesquisa. Com exceção de algumas marcas, também nativas digitais, como Nubank, Netflix, Spotify e Mercado Livre, que têm alta retenção entre esses jovens, há pequenos contrastes em alguns produtos tradicionais em que se destacam nomes como Nike, Samsung, Natura, Ypê, Vigor e Electrolux.

Mas o foco exclusivo no consumidor camufla a preocupação que o futuro do cidadão dessa faixa etária desperta agora. A geração Z é um dos estratos da população que mais sofreu as consequências da pandemia do novo coronavírus no país. Se a jovem for mulher e negra, a crise é ainda maior.

Pesquisas realizadas pelo Datafolha ao longo do último ano mostram o quanto a evasão escolar cresceu no segmento, tanto pela dificuldade de acesso ao ensino à distância como pela combinação de tarefas domésticas com emprego para ajudar nas despesas da família.

Nos levantamentos nacionais do instituto, o índice do estrato que se classifica exclusivamente como estudante caiu seis pontos percentuais em comparação com dezembro de 2019, antes da quarentena. A participação na população economicamente ativa subiu na mesma proporção, principalmente no mercado informal, sem registro em carteira. A renda familiar na maioria dos casos é de até dois salários mínimos.

Talvez um dos maiores sintomas do diagnóstico seja o menor número de inscrições do Enem desde 2005, quando o exame ainda não era usado para acesso ao ensino superior.

O histórico de 30 anos da Folha Top of Mind, pela manutenção de sua metodologia e abrangência, é um dos estudos que melhor capta a importância da educação na inclusão social e no repertório do mercado consumidor. À medida que o grau de escolaridade da população adulta brasileira crescia no decorrer das últimas duas décadas, a taxa de desconhecimento caía significativamente e a pluralidade nas respostas aumentava.

E os mais beneficiados pelas políticas públicas do período foram os millennials —no grupo, o índice dos que fizeram uma faculdade supera a média em 10 pontos percentuais, contraste expressivo em comparação com integrantes das gerações X e boomers.

Na tentativa de evitar o retrocesso, não surpreende que campanhas institucionais de assistência à educação tenham ganhado corpo na retomada econômica. Unesco e TV Globo, por exemplo, trataram o tema como prioridade no Criança Esperança deste ano, com o apoio da marca que vive na cabeça dos brasileiros: Omo. O Grupo Folha, junto com Itaú Cultural, também desenvolve estudo sobre ações de voluntariado e filantropia corporativa na educação.

Uma outra ação de micromarketing da Chevrolet em redes sociais no último Dia dos Pais chama a atenção mais pelo simbolismo do que por seu alcance. Em conexão direta com os "gen-Z", com quem empata em lembrança com a líder Volkswagen, a empresa "deu uma força" a Matheus Costa, nativo digital que bomba no TikTok provocando o pai, Seu Zé, que se mostra obcecado em corrigir os erros de português do filho. Matheus realiza o sonho do carro zero para Seu Zé e a versão completa do episódio no YouTube traz uma defesa emocionada da educação como valor fundamental na formação do jovem.

Algumas marcas parecem de fato investir na urgência do tema. Se não incorporada à agenda da comunicação dirigida, com pressão sobre o poder público, corre-se o risco da geração Z reproduzir perfil social mais próximo do de seus "pais-X" do que apresentar evolução em relação aos millennials. Diante do sinal que se fecha para esses jovens, o que poderia ser mais cringe?

Alessandro Janoni

Diretor de Pesquisas do Datafolha

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