Descrição de chapéu Análise

Estratégia top of mind dita a globalização das marcas chinesas

Empresas asiáticas, que despontam em categorias de tecnologia, investem em mídia e grandes eventos para conquistar espaço mundo afora

São Paulo

Qual é a primeira marca que lhe vem à cabeça quando se fala nos uniformes do Comitê Olímpico Brasileiro nas Olimpíadas de Tóquio? Não é preciso evocar deuses da mercadologia para arriscar que boa parte dos leitores pensou em Nike.

A norte-americana, além de vestir os atletas nas duas edições anteriores dos jogos, figura como uma das marcas mais presentes no imaginário da população —ao lado de nomes como Omo e Coca-Cola, lidera o Folha Top of Mind desde o início dos anos 2000, depois de patrocinar a seleção brasileira de futebol.

Mas não só a gigante global, como também outras empresas de nicho e atuação segmentada em modalidades em que o Brasil conquistou medalhas, como skate e surfe, ficariam de fora do pódio. A honra de vestir os atletas para a cerimônia da vitória cabia à chinesa Peak Sport.

Jogadores de futebol celebram vitória em pódio
Os jogadores da seleção masculina de futebol do Brasil celebram a medalha de ouro conquistada nos Jogos de Tóquio - Thomas Peter/Reuters

Como diria Confúcio em seus diálogos com o discípulo Zilu, há de reconhecer-se ignorante como primeiro passo à sabedoria —as buscas pela Peak no Google Brasil, segundo sua ferramenta de tendências, cresceram em escala exponencial desde o início dos jogos em 23 de julho.

A reação veio na atitude questionável da CBF em pedir que os jogadores da seleção masculina de futebol escondessem a marca chinesa no momento da premiação. A ação pueril elevou o tom da guerra fria que vem sendo travada no ambiente de mercado.

O avanço de patentes chinesas sobre memória de brasileiros já despontava no ano passado no Folha Top of Mind, mas em categorias relacionadas à tecnologia e ambiente digital. Xiaomi alcançou 11% das menções no repertório ("awareness") de smartphones, isto é, projetando-se o dado sobre a base da população adulta, quase 20 milhões de pessoas associam a marca ao produto. O índice praticamente dobra entre os jovens e entre os mais escolarizados.

Lenovo atinge patamar parecido na categoria de computadores e notebooks, com desempenho acima da média entre os mais ricos. O mesmo percentual cita Zoom entre os aplicativos de videochamada, com o dobro das menções obtidas por Google Meetings e cinco vezes mais do que Microsoft Teams. Ali Express também consegue retenção no ecommerce.

No entanto, o micro-marketing baseado nos algoritmos digitais tem se mostrado insuficiente para as ambições de globalização das marcas chinesas. A crescente comunicação em eventos que concentram audiência atenta estabelecem uma nova ordem nas estratégias daquela que promete ser a maior economia do mundo daqui a uma década.

Nesse contexto, com "Blue Monday" da banda inglesa New Order na trilha sonora de "Where Fans Play", a rede social TikTok invadiu não só os intervalos da última Eurocopa de futebol como também posou em campo ao lado das pirotecnias de uma histórica Top of Mind, a Volkswagen.

E, por falar em indústria automobilística, no Brasil a saída da norte-americana Ford do país somada à nova parceria de uma de suas principais distribuidoras, o grupo Caoa, com a chinesa Chery, é bastante sintomática.

O investimento em mídia tradicional, com linguagem consagrada pelas cartilhas da publicidade —buscando vender qualidade com credibilidade e alto GRP— apresenta os modelos Tiggo e pode gerar recall na próxima pesquisa nacional do Datafolha.

Tudo isso numa época em que quase tudo já se falou sobre a China. O país foi o epicentro da pandemia do novo coronavírus, o que despertou debate ideológico e alimentou a polarização política na crise sanitária que afetou principalmente o Brasil.

A politização na aquisição de vacinas e marcadores de sinofobia em discursos oficiais foram respondidos no melhor estilo "arte da guerra". E não se limitaram aos embargos de insumos dos imunizantes, pelo contrário.

A Copa América de futebol, rejeitada por outros países por conta do recrudescimento da doença, foi encampada pelo governo brasileiro. Empresas sempre lembradas ao longo dos 30 anos da pesquisa do Datafolha e que patrocinariam o evento, como Ambev e Mastercard, preferiram não se associar ao campeonato e deixaram de exibir suas propagandas nos jogos. O espaço foi ocupado pelas chinesas, principalmente a Sinovac, fabricante da Coronavac, que inclusive vacinou os atletas.

E para fechar o mosaico, o centenário do Partido Comunista Chinês lembrou ao mundo o paradoxo que rege o país —aquilo que o filósofo pop Slavoj Zizek, em seu "A Coragem da Desesperança" chama de "socialismo capitalista", isto é, a crença de que "só a dominação do Partido Comunista pode garantir um capitalismo bem sucedido".

O intelectual esloveno (cujo país também teve seus uniformes olímpicos fornecidos pela Peak Sport) aponta os desafios do imbróglio —a sobreposição das esferas pública e privada e seus reflexos sobre as liberdades individuais.

Denúncias de espionagem e censura se espraiam sobre marcas como Huawei, Zoom e ​TikTok, por exemplo. Atributos comumente associados aliás, à marca Top of Mind de redes sociais, o Facebook.

Ironicamente, na primeira cena do filme "A Rede Social" (2010), dirigido por David Fincher, o personagem de Mark Zuckerberg, interpretado por Jesse Eisenberg, vaticina —"Sabia que há mais pessoas com QI de gênios na China do que nos EUA?". Só mesmo uma quantidade razoável de "Mad Men" para travestir cem anos de rubor na melodia azul da nova ordem.​

Alessandro Janoni

Diretor de Pesquisas do Datafolha

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