Há marcas que revisitam o passado para mirar no futuro e há aquelas que aproveitam antigos "hypes", no maior estilo "old school". Algumas deixam o conforto do lar para conquistar novos territórios, enquanto outras preferem se fortalecer perto de casa. E o que falar, ainda, das que grudam na memória do povo com campanhas-chiclete?
A Folha Top of Mind 2023 comprova que todas essas estratégias para entrar na cabeça do consumidor têm sua eficácia dentro das diferenças culturais e geográficas do Brasil. Seja no calor do Norte, onde as Havaianas são item indispensável e objeto de desejo, seja no Sul, onde a Tirol tem um laço afetivo com seu público, o trabalho em cada canto do país está estampado nos resultados do Top Destaques Regionais.
As campeãs —que neste ano incluem ainda Casas Bahia, Piracanjuba e Primor— são definidas pela diferença entre o índice de menções gerais em todo o país e o conquistado regionalmente.
"Essa pesquisa é interessante pela longevidade e periodicidade, porque mostra um Brasil em transição constante", diz Marcelo Boschi, coordenador do MBA em marketing da ESPM. Ele destaca as Havaianas como um exemplo desse movimento. "É uma coisa mágica ver como essa marca, que era voltada às classes populares, virou fashion."
NORTE
Com 77% das menções no Norte na categoria Sandália, contra 59% do universo total pesquisado pelo Instituto Datafolha, Havaianas conquistou novamente o troféu da região.
O mérito é da presença no dia a dia e da proximidade com os consumidores, avalia Mariana Rhormens, diretora de marketing na América Latina. "Estamos com o produto certo, no canal certo e constantemente na mídia", diz. A executiva cita ainda o hábito de uso, mais frequente nos estados nortistas por conta das altas temperaturas. "Isso também favorece a lembrança de marca."
Todo esse destaque mostra ainda que a Alpargatas, fabricante dos chinelos, tem acertado na logística de distribuição, já que esse é o maior obstáculo das empresas na região, observa Roberto Kanter, professor do MBA em marketing e gestão comercial da FGV. "Por causa dessa dificuldade, a informação chega depois no Norte. Um produto fica em alta no Sudeste e demora um tempo para ‘hypar’ por lá. Hoje, possivelmente, Havaianas é uma marca de desejo nesse pedaço do país."
Ações desenvolvidas especificamente para o local também colaboram. A parceria com o IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas do Brasil) em prol da conservação da biodiversidade brasileira reverte 7% do valor líquido arrecadado com as vendas da coleção Havaianas IPÊ para o trabalho da instituição na Amazônia. Essa colaboração se estende ao pantanal e à mata atlântica.
A estratégia das Havaianas passa por integrar a identidade nacional. "A marca reconhece que todo brasileiro, desde o nascimento, possui uma conexão com Havaianas, tornando-a praticamente parte do DNA do país. Todo brasileiro tem um RG e uma Havaianas!", brinca Mariana Rhormens.
NORDESTE
Qualquer leitor que não seja nordestino pode estranhar a campeã da região: a Primor. Nascida no Sul, a marca estudou sua expansão para o restante do território nacional e acertou no Nordeste. Na categoria Margarina, foi citada por 9% dos entrevistados, índice que saltou para 25% entre os participantes locais.
Essa história começou nos anos 1980, conta a diretora de marketing, Camille Lau. "Quando a Primor foi para o Nordeste, fez um estudo de pratos e preparos específicos com os produtos de seu portfólio. Ou seja, fez o que uma pessoa faz quando vai viajar para um destino pela primeira vez. E lá criamos nossas raízes."
Segundo Lau, a estratégia é viver a região o ano todo e não se comportar como uma "marca turista". Até sua agência publicitária, diz, é local.
Para Kanter, da FGV, a marca da JBS fez bem sua pesquisa de segmentação psicográfica e etnográfica —ou seja, conhece os hábitos culturais e sabe quais são os ambientes sociais do consumidor nordestino.
"A Primor trabalha esses dados bem, valorizando as receitas e os costumes regionais. Ela vende o meio, não o produto. Essa questão de receber as pessoas em casa e cozinhar para elas é um hábito muito nordestino, e ela cria um envolvimento pessoal, emocional", explica o professor.
Para manter essa conexão, a ideia é seguir presente em eventos gastronômicos e festas populares na região, como o São João de Caruaru (PE), além de desenvolver projetos de incentivo à cultura e ações sociais.
CENTRO-OESTE
Quando se fala em Piracanjuba, quem não se lembra das campanhas-chiclete que traziam as protagonistas separando as sílabas do nome com seus dedos da mão? Pi-ra-can-ju-ba. A ideia veio antes das grandes estrelas nacionais Bruna Marquezine e Ivete Sangalo impulsionarem a marca para além do Centro-Oeste. Porém, quando o assunto é leite, o consumidor gosta mesmo é de ficar no seu quintal.
A marca da goiana Laticínios Bela Vista teve 7% das citações nacionalmente e 26% na região. "A Piracanjuba fez um trabalho brilhante de expansão, com distribuição pelo Brasil e desenvolvimento de marca com portfólio interessante", diz Kanter.
"Foi a força local que fez a marca se tornar forte no país todo", diz Lisiane Campos, gerente de marketing da empresa. Ela destaca que a Piracanjuba apoia entidades sociais em cidades próximas à sua sede e toca projetos junto à Secretaria Estadual de Esporte de Goiás, além de promover eventos culturais e de bem-estar.
Quando a Laticínios Bela Vista mudou a embalagem de um de seus produtos, muitas mães de crianças com autismo entraram em contato com a empresa, para dizer que seus filhos não aceitavam as novas, lembra Campos.
A executiva ouviu, então, conselhos de uma vizinha, e a Piracanjuba criou embalagens plásticas reutilizáveis, que foram distribuídas para as famílias com crianças no espectro autista.
"Elas servem como uma espécie de berço para receber os produtos. Assim, as crianças têm o conforto de se alimentar da forma como estão acostumadas", explica a gerente de marketing, acrescentando que a empresa não costuma divulgar essa história. "Como mãe, me senti comovida. E como profissional, me senti obrigada a encontrar uma solução."
SUL
Outra marca de leite também forte no seu pedaço é a Tirol. Catarinense, a campeã do Sul recebeu 22% das menções na região, muito além do seu reconhecimento nacional, de 4%.
Esta é a grande surpresa entre os resultados da categoria e reflete a mesma potência regional da Piracanjuba, analisa o professor Kanter. "As campeãs são interessantes porque falam muito de comida, e os laticínios fazem parte da alimentação do brasileiro."
Para o especialista, as propagandas da Tirol falam ainda o idioma do consumidor do Sul, com bastante humor, e as embalagens dos produtos, além de atraentes, criam uma identidade regional.
Tradicional em Santa Catarina, a marca participa de eventos locais e inaugurou, em 2021, sua primeira fábrica no Paraná. "Isso foi importante para nossa expansão para os demais estados da região", afirma Rodnei Guariza, gerente de marketing da Lacticínios Tirol.
Sustentabilidade e inclusão são outros focos da empresa, que criou três novos personagens para sua linha infantil — um deles é cadeirante e fera nos esportes.
"O mundo real é diverso, e a escolha por personagens que representam a diversidade está muito alinhada às novas demandas do mercado e do consumidor, de se sentir representado pelas marcas, de entender as bandeiras e causas defendidas por elas", diz Guariza.
SUDESTE
Após mudança de acionistas e estratégias para construir uma nova identidade, o Grupo Casas Bahia retomou seu antigo slogan, sua antiga mascote —ainda que repaginada— e segue com seu mais antigo trunfo: o crediário, que, nas palavras de Vivian Zwir, diretora de marketing da companhia, é "icônico".
"Recentemente, anunciamos o resgate de um dos principais e mais históricos slogans da comunicação brasileira, o ‘Dedicação total a você’, recuperando a mensagem que sempre norteou a empresa", diz Zwir. "Estamos atualizando a mensagem, gerando conversas, focando em todos os públicos, acompanhando o novo perfil do consumidor, com o objetivo de unir tradição e modernidade", explica a executiva.
Nascida em São Caetano do Sul (SP), a Casas Bahia foi citada por 31% dos entrevistados na categoria Loja de Móveis e Eletrodomésticos. No Sudeste, região que concentra a maior parte de suas lojas físicas (632), esse percentual subiu para 46%.
A empresa está realizando pesquisas regionalizadas de comunicação e investindo também no digital, inclusive junto a influenciadores, em busca de um público mais jovem. "A marca tem 70 anos e precisa se adequar às novas gerações, mas sem perder a conexão com os consumidores tradicionais", diz Zwir.
O representante dessa modernização é o CB, seu brand persona. "Ele aproxima a marca da geração Z e permite o ingresso em um ambiente em que ela tinha pouca penetração. CB representa os gostos, posicionamentos e jeitos do jovem brasileiro. Curte cultura pop, música, futebol, cinema, YouTube e TikTok."
Kanter recorda que, em 2008, a Casas Bahia vendia mais do que as outras grandes varejistas juntas. "A marca observou o exemplo recente de seus concorrentes —como a persona Magalu, do Magazine Luiza— e está trilhando um caminho próprio no digital", constata.
Para ele, a varejista se blinda das adversidades por ser mais do que uma loja. "O pagamento do carnê em dia é mais importante do que ter o CPF em ordem. A Casas Bahia garante o crédito do consumidor, e isso não tem preço."
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.