Descrição de chapéu Análise

Histórico do Top of Mind retrata gerações em mercado de contrastes

Resultados da pesquisa Datafolha trazem reflexos da propaganda sobre a lembrança de marcas ao longo do tempo

São Paulo

Uma das campanhas de maior recall da publicidade brasileira —"Mamíferos", da Parmalat, de 1996— ganhou uma adaptação com Ronaldo Fenômeno em 1998, em razão da Copa na França, ano em que a marca disparou sete pontos percentuais na lembrança dos brasileiros e bateu, pela primeira vez, o leite Ninho na Folha Top of Mind.

Um remake em 2007 com os mesmos atores, já crescidos, tentando vestir as fantasias de pelúcia que tinham usado há 11 anos, soava como resposta dos italianos à ameaça de Nestlé e Itambé que alcançaram a líder na edição da pesquisa de 2006.

O apelo do comercial acaba por configurar exercício de metalinguagem e inspira análises —longevo e abrangente em um mercado tão rico em contrastes, o Top of Mind possibilita monitorar como gerações e estratos específicos da população foram impactadas por comunicação dirigida e os reflexos da propaganda sobre a retenção das marcas ao longo do tempo.

Mantendo-se como exemplo a categoria leite, Ninho retomou a ponta isolada em 2017 e no ano passado abriu vantagem de oito pontos sobre Parmalat, mas na geração "Mamíferos”, que hoje se encontra na faixa entre 35 e 44 anos e tinha entre 16 e 24 na época, as duas marcas empataram.

Tendência parecida se observa na categoria geladeira. Um slogan que virou o mantra de uma geração, “Põe na Consul”, e que garantiu à marca o patamar invejável de ser citada pela maioria dos brasileiros há cerca de 25 anos, vai se diluindo ao longo do tempo nos estratos mais jovens.

Em 2019, com 34% das menções no total da amostra, ela ficou numericamente atrás de Electrolux entre os que têm de 16 a 24 anos, com taxa inferior em 15 pontos à verificada na média. Entre os que têm mais de 45 anos, o índice é o dobro do observado entre os mais novos.

Entre os brasileiros de um modo geral, Electrolux agrega crescimento de 16 pontos percentuais em 23 anos e vai se aproximando lentamente da segunda colocada, que é “assim, uma Brastemp” desde a primeira vez que a categoria foi incluída no Top of Mind, em 1992.

Aliás, a vice-líder também revisitou seu bordão clássico em ação digital em 2017, com os mesmos atores que ao longo dos anos 1990, sentados em uma poltrona icônica, questionavam a qualidade de outras marcas afirmando: “Mas não é assim uma Brastemp, né?”

Os atores Arthur Kohl e Wandi Doratiotto, dupla reconhecida pelas campanhas da Brastemp
Arthur Kohl e Wandi Doratiotto, dupla reconhecida pelas campanhas da Brastemp - Divulgação

GRP robusto por anos (Gross Rating Points, métrica de planejamento de mídia para a TV) garantia a sobrevida de nomes que até deixavam de existir. O caso mais simbólico foi o de Kolynos, que mesmo depois de ser retirada das gôndolas de supermercado após sua aquisição pela Colgate-Palmolive em 1997, manteve “o Gosto da Vitória” como Top of Mind até 2002.

Hoje, a dispersão da atenção do consumidor em diferentes plataformas, com parâmetros de mídia que incluem, além de visitantes únicos, o número de seguidores, influenciadores, youtubers e cancelamentos nas redes sociais, o foco sobre a geração dos nativos digitais se redobra.

Top of Mind de preservativos entre os mais jovens em 2019, por exemplo, não era Jontex, marca que lidera entre os brasileiros desde 1992. No estrato dos que têm de 16 a 24 anos, Olla batia a líder com uma diferença de cinco pontos percentuais, conquistada com campanhas que nos últimos anos trouxeram Anitta e Pabllo Vittar.

Considerando-se produtos e marcas do ambiente digital, os contrastes se intensificam. Em 2015, entre os mais jovens, as menções ao Facebook na categoria redes sociais superava a média em cerca de 20 pontos percentuais. Mercado Livre, no ano passado, como site de compras, era seis vezes mais citado entre os que têm 16 a 24 anos do que entre os mais velhos. Aplicativo de bancos que no total se pulverizava em várias marcas, entre os mais jovens Bradesco tem pequena vantagem.

Mas as diferenças não são apenas demográficas. Apesar da abertura econômica pós-redemocratização e a atuação de empresas globais no Brasil, a Folha Top of Mind revelou marcas de desempenho local importante, com taxas de retenção acima da média em determinadas regiões.

Laticínios Piracanjuba no Centro-Oeste, tintas Renner e molho de tomate Elefante no Sul, margarina Deline e composto lácteo Dobon no Norte, Primor no Nordeste e Casas Bahia no Sudeste formam um mosaico interessante na dispersão das lembranças que fogem do lugar comum.

Por classe econômica, a inclusão de parcela significativa da população no mercado consumidor nos anos 2000, assim como o aumento da escolaridade, tornou as menções mais frequentes e homogêneas em muitas categorias. No entanto, contrastes existem principalmente em função das variáveis de marketing segundo seus targets.

Em 2019, na categoria smartphone e tablet, por exemplo, Samsung consegue altas taxas de menção em todas as classes. Apple tem 15% na A/B, cai para 6% na C e apenas 2% na D/E. Mercado Livre tem cerca de um terço das menções tanto na classe A/B quanto na C. Na categoria banco, Banco do Brasil vai de 32% na D/E para 27% na A/B, na qual Itaú tem lembrança acima da média, desempenho parecido ao da Caixa Econômica Federal entre os integrantes da classe C.

Mas este ano, todas as classes sociais do país, em todas as regiões e faixas etárias, se viram de repente tomadas pelo “velho normal” —reunidas em frente a aparelhos de TV, especialmente no início da quarentena, acompanhavam principalmente os programas jornalísticos, alavancando a audiência a patamares que não alcançavam há anos, até mesmo entre os nativos digitais.

Nem todas as marcas que se posicionaram positivamente no período são Top of Mind, como mostrou o Datafolha em levantamento recente. O desempenho delas na pesquisa nacional, que será divulgada em outubro, diante de uma nova realidade, pode ser tanto o triunfo do velho e bom GRP sobre o universo de blogueirinhos pilhados como, pelo contrário, deixar a sensação nostálgica de que algumas fantasias já não servem mais.

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