Marcas campeãs regionais expõem a diversidade do Brasil

Deline, Líder Supermercados, Primor, Piracanjuba, Casas Bahia e Elefante são os destaques locais do ano

Débora Yuri
São Paulo

Junte uma rede de supermercados, uma varejista de móveis e eletrodomésticos, molho de tomate, leite, duas margarinas e “voilà”: teremos a representação do Brasil, este país tão extenso e diverso, na Folha Top of Mind.

Desde 2009, o Datafolha levanta os destaques regionais do ano. Considerando todas as marcas citadas na pesquisa, vencem aquelas que obtêm a maior diferença entre seu percentual geral e o percentual aferido em cada região. Em 2011 e 2012, a categoria não integrou o estudo.

De território para território, as vitoriosas divergem, como o feijão nosso de cada dia —tropeiro no Sul, parte do baião no Nordeste, carioca em São Paulo, preto no Rio. Nesta edição, o Sudeste consagrou neacampeã a Casas Bahia, fundada pelo imigrante polonês Samuel Klein, vendedor de porta em porta até 1957, quando adquiriu um ponto comercial em São Caetano do Sul (ABC de SP). 

A rede iniciou sua expansão pela capital paulista e a Baixada Santista, nos anos 1970. Cinco décadas depois, já opera em todas as regiões brasileiras: são 850 lojas físicas em 450 municípios de 20 estados, além do Distrito Federal. 

Com 65% das unidades, o berço da Casas Bahia permanece estratégico e atrai grande parte dos investimentos. 

O Sudeste é uma das regiões onde há mais concorrência e onde os desafios de mídia são mais complexos, porque existe grande fragmentação dos meios”, analisa Ilca Sierra, diretora de marketing 
e comunicação multicanal da Via Varejo, que hoje administra a rede.

Em áreas onde a informação é disseminada com maior facilidade, níveis de atendimento muito próximos nos ambientes digitais e físicos são fundamentais para lembrança de marca e também vendas, ela acrescenta. 

“Muitas vezes, o cliente começa a pesquisa de compra em um canal e termina em outro. Percebemos, principalmente nessa região, uma grande mudança na forma de consumir mídia e de comprar.” 

SUL 

O produto que já foi carro-chefe da antiga Cica tornou-se tricampeão do Sul, batendo marcas com fortes raízes locais como Renner (que também venceu três vezes) e Tirol (duas). Comprada pela Unilever em 1993 e desde 2011 no portfólio da Cargill, Elefante chega aos 75 anos vivendo uma repaginação completa. 

“Trata-se de uma região com alto consumo de massas e molho de tomate”, diz Tatiana Zambon, diretora de produtos de consumo da Cargill, que processa 70 milhões de tomates por dia durante a safra. 

Ela lista outros fatores que podem explicar a performance da Elefante entre os sulistas: força da marca, poder de distribuição, constante investimento em comunicação e ações especificas de trade marketing. Além disso, no digital as campanhas são segmentadas para cada uma das regiões do país.

Atualizado em 2019, o extrato de tomate ganhou novos signos visuais e verbais. As embalagens foram redesenhadas e houve, ainda, mudança de posicionamento. A antiga promessa, “tudo rende mais com Elefante”, virou “Elefante, viver junto rende mais”.  

“Não é todo dia que se altera um ícone. São quase oito décadas de tradição e relacionamento com os consumidores. Eles cresceram, mudaram, evoluíram ao longo desse tempo, e a marca não pode ficar parada”, observa Tatiana. 

Na querida receita, ninguém mexeu, claro. Mas o produto setentão vem angariando atributos diferentes com a modernidade. “Feito apenas de muito tomate, sal e açúcar, ele está alinhado às tendências de saudabilidade e ‘comida de verdade’”, aponta a executiva.

 

CENTRO-OESTE 

O nome não nega: a Piracanjuba tem, no DNA, o cerrado do Planalto Central. Na cidade goiana homônima, nasceu a marca número um da Laticínios Bela Vista, uma das quatro maiores fabricantes de lácteos do Brasil.

Pela terceira vez Top Regional no Centro-Oeste, ela foi criada em 1955 por uma família —também goiana.

“Existe uma identificação com o consumidor daqui, pela nossa origem”, explica o diretor comercial Luiz Cláudio Lorenzo. “Na região, já estamos na terceira geração de consumidores em contato com a marca Piracanjuba.”

Produtos com qualidade, distribuição logística adequada, investimentos publicitários crescentes, bom posicionamento nos pontos de venda e aumento da capacidade produtiva também explicam o alto recall, para ele, além da inovação. 

“Somos um indutor de consumo para o goiano, o mato-grossense, o brasiliense”, afirma. “Cito um exemplo: fomos pioneiros no lançamento de uma linha zero lactose, lá atrás, em 2012.”

Aos 64 anos, a Piracanjuba deixou o perfil regional de lado e atua em todo o país de forma cada vez mais agressiva. Os 150 produtos de seu portfólio são processados em quatro fábricas, que se espalham pelas cidades de Bela Vista de Goiás (GO), Governador Valadares (MG), Maravilha (SC) e Sulina (PR).

O Centro-Oeste hoje responde por 15% do faturamento total —há uma década, representava 70%. “Isso ocorre porque a região tem baixa densidade demográfica, e a empresa cresceu muito no restante do Brasil”, observa Lorenzo.

NORDESTE

Pise no ensolarado Nordeste e ela estará lá. No cuscuz, no bolo pé-de-moleque, no feijão, nos temperadíssimos caldos. Como no Sudeste, os nordestinos abraçaram pela nona vez uma mesma campeã: Primor, a tradicional e sessentona marca da Bunge, há 16 anos líder de vendas na região entre as margarinas.

Para Rafael Sá, gerente de marketing da empresa, Primor entende e valoriza a essência desse consumidor. 

“Atuamos no Nordeste desde os anos 1950 e, ao longo dessa trajetória, pudemos compreender a fundo os gostos e costumes característicos locais. Um deles é sua relação afetiva, autêntica, com a culinária regional”, cita. “O reconhecimento é resultado de uma relação que vem sendo construída há muitas décadas com o povo nordestino.” 

Curiosamente, a Primor iniciou sua história no extremo oposto do Brasil: o Rio Grande do Sul recebeu seu primeiro produto, um óleo de soja.

Na sequência, a marca chegou ao Rio e passou a ser vendida no país inteiro. Até hoje, porém, a oferta muda, de acordo com os hábitos de consumo de cada região. O Nordeste, seu mercado mais representativo, inspirou até o novo posicionamento, lançado neste ano: “Quem faz do seu jeito, faz com Primor”. 

“Valorizamos a culinária com um toque pessoal como o coração da cultura local”, diz Sá, reforçando a participação da Primor em celebrações importantes do calendário nordestino como o São João 
de Campina Grande (PB) e o Festival de Comidas Gigantes de Caruaru (PE).

NORTE 

Duas marcas dividem a ponta na região Norte: Deline, vitoriosa pelo segundo ano seguido, e Líder Supermercados, que faz sua estreia no Top of Mind.

Lançada em 1991 e fabricada em Vitória de Santo Antão (PE), a margarina da BRF foi desenvolvida exclusivamente para o público do Norte e do Nordeste, que prefere o produto com sal e forte coloração amarela. Sua fórmula ainda resiste às altas temperaturas locais. 

O sucesso é fruto do conhecimento sobre esses consumidores, segundo Marina Secaf, gerente executiva de marketing de margarinas da BRF. “Existe uma uma relação de proximidade entre a marca e o povo nortista”, diz. “Além da formulação exclusiva, Deline traz elementos típicos da região, texturas e cores vibrantes.”

Carro-chefe do paraense Grupo Líder, que virou um gigante regional, a rede de supermercados homônima tem a maioria de suas 20 lojas na Grande Belém. A primeira foi aberta em 1975, dois anos após Jerônimo Rodrigues e seus cinco filhos aportarem na capital do estado. 

 

Na década de 1960, a família de Igarapé-Miri percorria rios vendendo aguardente e mel para comunidades ribeirinhas da rota do Marajó e do Baixo Amazonas. Hoje, toca negócios que vão de farmácias, lojas de departamento e shopping a produção de café e cultivo de gado.

“Nossa origem ribeirinha é um fato muito valorizado em todo o Norte do Brasil”, conta o diretor do grupo, João Augusto Rodrigues, avaliando os resultados do Datafolha. 

O conglomerado prevê inaugurar sete lojas e gerar 4.000 empregos em três anos. Também estuda expandir para Manaus (AM), Maranhão e Brasília. A meta é alcançar faturamento de R$ 5 bilhões e chegar a 19 mil empregos diretos até 2022. 

Chefe do departamento de publicidade da ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), Maria Clotilde Perez Sant’Anna diz que os resultados traduzem as dramáticas diferenças existentes no Brasil. 

“Entre elas está o nível de desenvolvimento das indústrias e do comércio em cada local”, explica. “Outro elemento decisivo é a presença midiática dessas marcas nas regiões. Com isso, elas se tornaram presentes também na vida das pessoas.”

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